domingo, 22 de janeiro de 2017

(1992) Lektionen In Finsternis

Alemanha (rodado no Kuwait) | 52min | super 16 mm |cor
Roteiro: Werner Herzog
Direção: Werner Herzog
Produção: Lucki Stipetić
Som: John G. Person
Montagem: Rainer Standke
Fotografia: Paul Berriff
Música: excertos de Richard Wagner, Edvard Grieg, Serguei Prokofieff, Arvo Part, Giuseppe Verdi, Franz Schubert e Gustav Mahler
Elenco: Werner Herzog (narração em off)

Uma visão apocalíptica com os poços de petróleo em chamas no Kuwait após a Guerra do Golfo, como um mundo inteiro ardendo em chamas. Este filme é estilizado como ficção científica, uma vez que não há uma única cena em que você possa reconhecer nosso planeta.” ¹

Não é exagero pensar em Lektionen In Finsternis (Lições Da Escuridão) como filme-irmão de Fata Morgana, ou como intui a estudiosa italiana de cinema Grazia Paganelli, parte de uma trilogia que também inclui The Wild Blue Yonder, que “tornam-se etapas sucessivas de um projeto sobre a ficção científica, perseguindo a ideia do olhar alienígena que nos oferece elementos impensáveis e momentos de reflexão sobre a criação, sobre a vida e sobre a morte”. ²

Enquanto em Fata Morgana viajávamos Saara adentro, contemplativamente, vislumbrando paragens de solidão, ruína, e silêncio sob a narração de trechos do Popol Vuh, aqui, com o diretor narrando trechos apocalípticos inspirados na Bíblia, nos faz mergulhar em um Deserto da Arábia transformado no puro Inferno.

O estudioso norte-americano de cinema Brad Prager situa melhor o filme: “Dito de modo mais claro, é um planeta do sistema solar herzogiano, completo, com montanha e névoa, que surgem logo no começo, como a cortina metafórica que já vimos em tantos trabalhos anteriores dele”. ³
planeta estranho

Uma grande vantagem do filme é que, ao contrário de outras tentativas (malogradas) de politizar seu cinema, como em Ballade Vom Kleinen Soldaten e Wo Die Grünen Ameisen Träumen, essa opção por não contextualizar os acontecimentos, e mais, ressignificá-los por meio da narração, faz com que, nas palavras do estudioso alemão de cinema Eric Ames, “só a imaginação nos permita testemunhar o que aconteceu com os outros em outro tempo e lugar. Com a paisagem, então, o filme de Herzog apela para a imaginação como uma força contrária ao senso de testemunho que os canais de notícias prometeram, mas falharam em proporcionar”. 4

Em uma guerra, assim como em qualquer evento traumático ao qual só tenhamos acesso via imprensa, sempre haverá inúmeros graus de distorção, naturais da mídia ou impostas pelos poderes que a comandam/influenciam, até que a mensagem chegue até nós.

Brad Prager nota que “o ritmo do filme é lento, e talvez dessa forma ele encene uma crítica sobre como as guerras têm sido transmitidas na tevê a cabo”. 5 Quem tem idade para lembrar da Primeira Guerra do Golfo sabe que a transmissão imposta pelo governo norte-americano mostrava uma guerra sanitizada, cirúrgica, de videogame, em que tudo era visto de longe, infravermelho, sem aparentes danos, feridos ou mortos.

Nisso, a a força bruta das imagens em-si do filme se mostram mais impactantes de entremeadas de horrores belicistas do que qualquer transmissão da CNN à época. Você sequer precisa lembrar desse conflito ou ler sobre ele para se sentir dentro das chamas infernais, em um espetáculo flamejante sob trilha de música clássica que lembra, em muitos momentos, as cenas mais catárticas e surreais de Apocalypse Now (1979), de Coppola (fã de Herzog, aliás, como dito aqui).
desolação

Os primeiros minutos, um sobrevoo sobre as planícies desoladas do Kuwait, são mais ‘tranquilos’, lembrando um Fata Morgana mais depressivo, dado o peso da trilha sonora clássica. Logo, porém, uma mulher cujos filhos foram mortos na sua frente, o que a fez perder a voz, tenta se comunicar. Então, mais passagens arruinadas cheias de tristeza e pesar. A escuridão, no caso o óleo negro, permeia e cobre tudo. E então, sob a narração apocalíptica de Herzog, surgem os tais poços flamejantes. E outro depoimento de mãe de família, cujo filho pequeno, após uma rude e violenta abordagem do exército americano, deixou de falar, dado o trauma. A  seguir, ao fim do mundo, de tantos mundos, ferve no inferno do petróleo incinerando, ruidoso, enquanto os bombeiros trabalham para extingui-lo. Na sequência, paisagens cobertas de óleo, sob trilha erudita inclemente e tristonha. E vem o capítulo seguinte, talvez o mais impressionante, com o petróleo fervente, borbulhante, crepitante, escorrendo viscoso feito lava de um vulcão. Segue-se o trabalho de operários em meio àquele inferno, em uma surpreendente trilha menos desoladola. E, por fim, uma sequência de imagens que, de certa forma,faz um apanhado de toda a projeção. Um fim sem qualquer redenção.

Como analisa Grazia Paganelli: “Como ver o mundo pela primeira vez, diria Herzog, mas de um olho completamente desabituado aos nossos sinais e aos modos de pensar do nosso olhar, um pouco daquilo que aconteceu a Kaspar Hauser, mas amplificado e teorizado até as consequências mais extremas. Nasce deste sentimento das imagens o pensamento de um filme de ficção científica, (...) o olhar puro de nós a vir nos olhar para nos contar que coisas vê e como. (...) São alusões, por vezes dolorosas, por vezes cheias de ironia, em filmes que, da observação transfigurada de uma realidade física e objetiva, arriscam inventar uma narrativa capaz de aludir a realidades, pelo contrário, imaginárias”. 6

Aqui temos Werner Herzog fazendo o que sabe fazer melhor: verdade extática em estado puro, uma experiência sensorial cheia de força e tristeza, o retrato de toda uma existência coletiva que não deu certo, diante de uma natureza em ruínas, mas ainda inclemente. Ouso dizer que é seu melhor filme desde Fitzcarraldo: após uma década errática, em que o diretor buscou novos rumos para seu trabalho, já mais imerso no mainstream, e nem sempre foi muito feliz, aqui ele retoma a grande forma.

Mas, enfim, a melhor definição deste filme é dada por Paul Cronin: “ao contrário de La Soufrière, que tenta documentar uma catástrofe natural, Lektionen In Finsternis é um réquiem para um planeta que nós mesmos destruímos”.
puro inferno

Curiosidades:

– a citação que abre o filme, creditada a ao filósofo e matemático francês Blaise Pascal (1623–1662), pra variar, é de autoriza do próprio Herzog: “É inventado, mas não é falsificação. É uma possibilidade de um momento de iluminação antes do filme”. 7

– apesar de ser bem recebido na Inglaterra e nos Estados Unidos, o filme sofreu muitas críticas na Alemanha à época, que acusaram o diretor de estetizar o horror da guerra, ao não identificar claramente o Kuwait e sua situação, ou de se posicionar claramente contra a guerra: “Eles disseram que o filme era perigosamente autoritário, então eu decidi ser autoritário no meu melhor. Eu estava diante deles e disse: ‘Sr. Dante fez o mesmo em seu Inferno e o Sr. Goya fez isso em suas pinturas, e Brueghel e Bosch, também.’ 'Você deveria ter ouvido o barulho”. 8

– entre Schrei Aus Stein e este Lektionen In Finsternis, um canal de tevê austríaco transmitiu em quatro partes de 60min, sob o nome Film Lesson, uma série de encontros sobre cinema dos quais Herzog participou durante o Festival de Viena de 1991; aparentemente só existem com áudio e legendas em alemão, de modo que nem tentei vê-los;

– por este filme, Herzog venceu o grande prêmio do Festival Internacional de Melbourne de 1993;

– a princípio, o canal de tevê alemão Premiere, que financiou o filme, convidou Herzog para fazer um filme sobre o bombeiro texano especializado em combater incêndios em postos de petróleo (inclusive no Kuwait) Red Adair (1915–2004), ao que o diretor declinou, porém, fazendo a contraproposta, aceita pela emissora, de fazer um tipo diferente de filme no Golfo Pérsico;

– uma vez que as chamas nos poços logo se extinguiriam, o projeto precisava ser tocado com urgência, então Herzog designou o produtor, fotógrafo cineasta inglês Paul Berrif, com larga experiência em documentários de ação e já possuidor de uma licença para filmar no país, a fim de já captar algumas cenas antes mesmo da chegada do alemão;

– a equipe chegou ao Kuwait em outubro de 1991, um mês antes que as chamas do último poço fossem apagadas, e o filme inteiro foi rodado em uma semana.


² 6 PAGANELLI, Grazia. Sinais De Vida: Werner Herzog E O Cinema (Segni Di Vita: Werner Herzog E Il Cinema, 2008). Editora Indie Lisboa, 2009.
³ 5 PRAGER, Brad. The Cinema Of Werner Herzog: Aesthetic Ecstasy And Truth. Wallflower Press, 2007.
4 AMES, Eric. Ferocious Reality: Documentary According To Werner Herzog. University Of Minnesota Press,
2012.
7
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI233888-15220,00.html
8 HERZOG, Werner. In.: Ferocious Reality: Documentary According To Werner Herzog, de Eric Ames. University Of Minnesota Press, 2012.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

(1991) Schrei Aus Stein

Alemanha, França, Canadá (rodado na Patagônia Argentina e em Munique) | 105min | 35 mm |cor
 Roteiro: Hans-Ulrich Klenner, Walter Saxer e Robert Geoffrion, a partir de ideia de Reinhold Messner
Direção: Werner Herzog
Produção: Walter Saxer
Som: Manfred Arbter
Montagem: Suzanne Baron
Fotografia: Rainer Klausmann
Música: excertos de Heinrich Schiitz, Richard Wagner, Sarah Hopkins, Alan Lamb, Ingram Marshall e Atahualpa Yupanqui
Elenco: Vittorio Mezzogiorno (Roccia), Stefan Glowacz (Martin), Mathilda May (Katharina), Donald Sutherland (Ivan), Brad Dourif (Senzadita), Al Waxman (Stephan), Chavela Vargas (senhora indiana), Hans Kammerlander (escalador), Volker Prechtl (mestre himalaio)


Schrei Aus Stein (Grito De Pedra), lançado no Brasil como No Coração Da Montanha, é um trabalho atípico de Herzog: o roteiro foi escrito pelo colaborador de longa data Walter Saxer, junto com dois amigos, a partir de uma ideia do montanhês Reinhold Messner, protagonista de Gasherbrum – Der Leuchtende Berg.

Basicamente a história é sobre dois alpinistas, um jovem e impetuoso (Martin) e um experiente e amargurado (Roccia) disputando entre si pra ver quem é melhor montanhista, tem o ego mais inflado e fica com a mocinha do filme (a bela Katharina), tudo sob o controle do ambicioso empresário televisivo Ivan. E o palco central de tudo isso é o imponente e perigoso Cerro Torre, na Patagônia.

Falando assim, a história parece banal – e de fato é: apesar de possuir elementos extraídos da história da suposta primeira conquista de Cerro Torre, em 1959, pelo escalador italiano Cesare Maestri e seu parceiro, o austríaco Toni Egger (que morreu durante a descida), tudo se desenvolve de forma muito rápida e forçada, não dando tempo nem motivos para que nos identifiquemos com os personagens (ou mesmo desgostemos deles). As pessoas vão, vem, vivem, morrem, vencem, perdem e você fica indiferente.
O temido Cerro Torre

O conflito entre os montanhistas é abrupto e sem propósito, e os próprios traumas deles não convencem muito; a mocinha só está no filme para ser a mocinha mesmo; e as atuações são sofríveis – Donald Sutherland bem que tenta, mas seu personagem também não diz muito ao que vem.

Herzog também se esforça, dando um subtexto de crítica à sociedade do espetáculo, em que tudo é feito para a mídia, e só existindo se nela estiver, mas as atuações fraquíssimas da dupla de atores principais atrapalha isso também.

Fingerless, escalador de quatro dedos de uma mão, perdidos em Cerro Torre, e obcecado com a atriz Mae West (?), é o único personagem interessante do filme (“o único personagem do script original em quem eu fui autorizado a fazer mudanças” ¹, segundo o diretor), a despeito de suas falas serem fracas também: atormentado pela montanha, que lhe tirou não só pedaços de seu corpo, mas também sua sanidade, vaga pela história para nos lembrar de que estamos num filme de Herzog, dando o toque de desajuste social mínimo ao longa.

Aliás, Werner Herzog também não gosta do filme, inclusive se mostrando arrependido de tê-lo feito: “Havia algo maravilhosamente físico na história que achei interessante, mas o script tinha muitos pontos fracos, especialmente os diálogos, e precisava de um trabalho real, então eu hesitei em aceitar o projeto, porque a princípio eu não sabia como poderia melhorá-lo. Finalmente chegamos a um acordo e eu entrei no filme, mas imediatamente me vi sem saída, quando tive que fazer alterações substanciais". ²

Aí vem a pergunta usual: mas nada no filme presta?

Olha, este é, sem dúvida, o pior filme do Herzog que já vi. Supera, de longe, Massnahmen Gegen Fanatiker (pelo menos tinha caráter experimental), Herz Aus Glas (visualmente bem mais interessante), Huie’s Sermon (há certa atração em sua catarse), Cobra Verde (Klaus Kinski sempre vale a pena) e Jag Mandir (pelo menos é mais curto).

Como eu já disse, a história se desenvolve de um jeito bastante tolo, os diálogos e as atuações dão raiva de tão ruins (dá até pena do Donald Sutherland no meio daquilo) e toda a história (que nem é tanta assim) parece mera enrolação para o duelo final entre os protagonistas.

Herzog já não leva muito jeito para histórias lineares/comuns (e nem parece se intressar muito por elas), mas nem os piores momentos de Wo Die Grünen Ameisen Träumen parecem tão jogados quanto as discussões entre o triângulo amoroso principal, as aparições do Fingerless com suas frases de efeito ou a ‘Indianerin’, uma senhora indígena que aparece, de certa forma, comentando a história com frases apocalípticas de efeito (pelo menos tem um quê de herzogiano nisso).

Salva-se o clímax, em que o diretor finalmente arregaça as mangas fazendo o que sabe melhor: mostrar homens obstinados em conflito com a natureza impiedosa. As cenas de escalada no Cerro Torre, aparentemente sem qualquer trucagem, são de tirar o fôlego.

Em suas próprias palavras: "[Walter] Saxer estava muito teimoso com tudo, por isso não posso nem dizer que Schrei Aus Stein seja meu filme, embora ele contenha algumas sequências impressionantes, como que Stefan Glowacz escala uma montanha verticalmente, em seguida horizontalmente e então verticalmente de novo, tudo sem uma corda de segurança, tudo em um único take, tudo com uma paisagem impressionante atrás dele e um abismo escancarado abaixo. É a coisa mais extraordinária que você verá na tela, muito mais do que qualquer coisa em um blockbuster de Hollywood”. ³


Grandes cenas de montanhismo

A tomada final, logo após o desfecho da disputa entre os montanhistas – que, aliás, tem uma surpresa que dá uma melhorada temporária na experiência do filme – também é muito boa, como repara o especialista norte-americano em cinema alemão Brad Prager: “O significado produzido pela montanha oferece o insight para o gesto formal mais consistente de Herzog, a panorâmica de 360º. Não apenas no fim de Schrei Aus Stein, mas também nos finais de Herz Aus Glas e Aguirre, Der Zorn Gottes, com o objetivo de delinear um espetáculo desesperado de desesperança, a câmera circunda ao redor dos protagonistas em desespero”. 4

Então minha recomendação é: acelere o filme direto para os últimos 20min e veja belas e sombrias tomadas na natureza fria e selvagem, sem precisar passar raiva com o resto. No mais, não recomendo Schrei Aus Stein nem para fanáticos por Herzog, nem para entusiastas do montanhismo.


Curiosidades:

– originalmente, o próprio Reinhold Messner estrelaria o filme (no papel de Roccia), mas Herzog, baseado em seu contato com ele em Gasherbrum – Der Leuchtende Berg, achou que ele não daria conta do papel;

– Herzog faz um ponta na primeira sequência do filme, como parte da equipe de televisão que vai transmitir a escalada indoor de Martin;

– dá pra ver o filme no YouTube (qualidade de VHS antigo), com legendas em português.


1 3 HERZOG, Werner. In.: Werner Herzog: A Guide For The Perplexed, de Paul Cronin. Faber & Faber, 2014.
2 HERZOG, Werner. In: Herzog On Herzog, de Paul Cronin. Faber & Faber, 2001.
4 PRAGER, Brad. The Cinema Of Werner Herzog: Aesthetic Ecstasy And Truth. Wallflower Press, 2007.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

(1991) Jag Mandir


 Alemanha/Áustria (rodado na Índia) | 85min | 16 mm |cor
Roteiro e direção: Werner Herzog
Produção: Wolfgang Rest
Som: Rainer Wiehr
Montagem: Michou Hutter
Fotografia: Rainer Klausmann
Música: apenas o som ambiente das apresentações
Elenco: André Heller

Com o subtítulo Das Exzentrische Privattheater Des Maharadscha Von Udaipur (O Excêntrico Teatro Privado Do Marajá De Udaipur), Jag Mandir (nome do palácio onde se passa o filme), na verdade, não é muito mais do que isso: a convite do artista austríaco André Heller (1947–), cuja equipe passou um ano e meio viajando pela Índia a fim de catalogar a diversidade cultural do país – a pedido do marajá (na verdade um maharana, título acima) –, Herzog filma mais ou menos dois mil artistas (dos mais de dez mil localizados), entre dançarinos, músicos, contorcionistas e ilusionistas.

Após uma breve explicação de André Heller sobre o que representa o filme, os setenta e tantos minutos seguintes de filme, divididos em três atos, são a apresentação de dezenas, centenas desses artistas, em rituais de grande beleza, dignidade e efeito quase hipnótico, porém, sem qualquer contextualização, o que deve afastar o interesse até dos fanáticos pelo tema.

Segundo o diretor, Jag Mandir é sobre “como as artes na índia são o que ele [o maharana/marajá] chamava de ‘força sustentadora da vida’” ¹, e por isso pretendia documentar, de alguma forma, “a rica herança do país antes que a ‘McDonaldização’ triunfasse sobre tudo” ².

Por outro lado, as intenções do austríaco são minimizadas: “Para Heller, era mais como um show de cabaré, uma reunião de artistas, malabaristas, bufões e engolidores de fogo. Era basicamente isso, nada realmente além disso para ele. Eu fiz isso para um amigo e gostei muito do trabalho e viajar para a Índia, em algum lugar aonde eu não tinha ido antes”. ³

Desfile

Na verdade, além de eu ter achado o filme bem cansativo e preguiçoso, sem propósito, até, na linha de Huie’s Sermon, ele parece não ter interessado nem mesmo ao próprio diretor: um tema diante do qual ele poderia exercer um de seus eixos temáticos – a oposição entre o antigo/imemorial/primordial em oposição à degeneração trazida pela ação da humanidade/modernidade – não passa do fio de história inventado no começo de Jag Mandir.


Outro problema é que o marajá/maharana, que teria inspirado e evocado a própria razão de ser do filme, sequer tem direito a falas, aparecendo apenas em silêncio pretensamente contemplativo, assim como os artistas, que não são entrevistados. Fica parecendo uma visão distante, pálida e colonialista de dois brancos europeus sobre uma cultura ‘exótica’ que não lhes despertou nenhum interesse profundo.

No fim das contas é um longo e superficial ‘videoclipe’, que não emana nenhum significado profundo sobre essa cultura antiquíssima para quem não seja bastante familiarizado com seus meandros e fundamentos.


Curiosidades:

– apesar de o grosso do filme ser realmente o evento único em um dia só, algumas partes adicionais foram gravadas alguns dias antes;

– a história de que o evento teria sido requisitado ao maharana por um sábio local, que previu o afundamento dos palácios da cidade em um rio, como sinal de deterioração da cultura local, foi inventada por Herzog para dar alguma linha narrativa ao filme;

– esse argumento, aliás, Herzog inventou baseado no musical indiano A Sala De Música (Jalsaghar), de 1958;

– tem no YouTube com legendas em inglês. 


1 2 HERZOG, Werner. In.: Werner Herzog: A Guide For The Perplexed, de Paul Cronin. Faber & Faber, 2014. 
3 HERZOG, Werner. In: Herzog On Herzog, de Paul Cronin. Faber & Faber, 2001.