quarta-feira, 23 de março de 2016

(1984) Gasherbrum – Der Leuchtende Berg



Alemanha (Paquistão) | 45min | 16 mm |cor
Roteiro e direção: Werner Herzog
Produção: Lucki Stipetić
Som: Christine Ebernberger
Montagem: Maximiliane Mainka
Fotografia: Rainer Klausmann
Música: Florian Fickle (Popol Vuh)
Elenco: Reinhold Messner e Hans Kammerlander

“The Dark Glow Of The Mountains [título internacional do filme] veio de questões que eu estava fazendo a mim mesmo. Por que Messner – um homem que perdeu seu irmão durante uma expedição – sente a necessidade de escalar Nanga Parbat [montanha no Paquistão] uma segunda vez? O que motiva um homem como esse? Um vez perguntei a ele, ‘Você não se sente meio perturbado por continuar a escalar montanhas?’. ‘Toda pessoa criativa é insana’, ele me disse. (...) Uma vez ele me disse que ele era incapaz de descrever a sensação de que o obriga a subir mais do que ele poderia explicar o que o obriga a viver.” ¹

Este média-metragem é um perfil do conhecido montanhista Reinhold Messner, prestes a escalar a montanha Gasherbrum (‘A Montanha Luminosa’ do título original), no Himalaia, com seu amigo Hans Kammerlander (também um célebre escalador). 

Reinhold Messner

Entre conversas sobre detalhes técnicos da empreitada (embora o filme nem se preocupe muito com isso, obviamente), Herzog procura entender o que leva alguém a uma jornada tão extrema e perigosa, ainda mais considerando que Messner havia perdido o irmão durante uma escalada na montanha Nanga Parbat.

Não é preciso pensar muito para perceber os paralelos com o protagonista de Die Große Ekstase Des Bildschnitzers Steiner: ambos são heróis herzogianos obstinados e quixotescos, bem-sucedidos no que fazem, porém, melancólicos e introspectivos quando olhados mais de perto.

Não é difícil simpatizar com o boa-gente e simples Messner, que, entre frases de efeito como “A arte e a criatividade também são formas de degeneração” e “A pergunta não existe porque todo meu ser é a resposta”, fala sobre vício em adrenalina, em superar limites, necessidade de solidão, de conexão com a natureza, de flertar com o perigo e a morte – muitas respostas para o que parece não poder ser respondido. E, quando ele fala da mãe e, principalmente, do irmão, temos momentos bem emotivos.

Já as montanhas são a óbvia natureza inóspita e hostil de Werner Herzog, mas desta vez mais imponentes e monolíticas que caóticas e cruéis, diante da qual seus desafiadores não deixarão mais do que pegadas indistintas no gelo eterno. Na brancura imensa das paisagens geladas, o diretor mostra resignação diante da impermanência e da efemeridade do existir.

Imensidão

No geral, filme OK, despretensioso, mais um só para aficionados em Werner Herzog, ou talvez em montanhismo mas a película nem se aprofunda nisso,  a despeito das belas imagens sob a trilha sonora dos colaboradores de longa data do Popol Vuh.


Curiosidade:

– Quando perguntado se não havia ido muito longe no filme com os questionamentos sobre a morte do irmão de Messner, Herzog respondeu:

Messner sabia que, ao fazer o filme, que eu estaria cavando fundo para as partes intocáveis dele, e poderia fazer perguntas difíceis sobre a expedição do Himalaia, onde seu irmão morreu. Antes de começarmos o filme que eu lhe disse: 'Haverá situações em que eu irei longe. Mas você é um cara esperto, sabe como se defender’.

Foi difícil decidir se manteríamos a sequência com ele chorando no filme, mas eu finalmente liguei para ele e disse: 'Você fez esses talk-shows sem vida toda a sua vida. Agora, de repente, algo muito pessoal foi trazido à luz, você está aqui como alguém que não é apenas mais um atleta perfeito ou que conquista cada montanha com perfeição fria. É por isso que eu decidi manter a cena'. E uma vez que Messner viu a obra acabada, ficou feliz por termos ido tão longe quanto nós fomos.

O que foi difícil no início foi fazer com que ele aparecesse na câmera como ele mesmo. Então eu acordei Messner e coloquei-o frente da câmera, e imediatamente ele começou o tipo de ‘media-rap’ [?] que ele estava tão acostumado a dar. Parei a câmera imediatamente e disse: ‘Não é desse jeito que eu quero fazer um filme com você. Há sim algo de profundamente e completamente errado em continuar assim. Não um centímetro de filme será desperdiçado dessa forma. Eu preciso ver no fundo do seu coração'. Messner me olhou com cara de atordoado e ficou em silêncio a maior parte do resto do dia. À noite, ele veio até mim e disse: 'Eu acho que eu entendi’. Não haveria misericórdia para ele, como o filme em si não conhece misericórdia”. ²


¹ ² HERZOG, Werner. In: Herzog On Herzog, de Paul Cronin. Faber & Faber, 2001.