terça-feira, 19 de janeiro de 2016

(1984) Ballade Vom Kleinen Soldaten

Alemanha (Nicarágua e Honduras) | 45min | 16 mm |cor
Roteiro e direção: Werner Herzog e Denis Reichle
Produção: Lucki Stipetić
Som: Christine Ebernberger
Montagem: Maximiliane Mainka
Fotografia: Jorge Vignati
Música: canções populares de Isidoro Reyes e Paladino Taylor
Elenco: misquitos da Nicarágua


Basicamente este média-metragem (‘Balada Do Pequeno Soldado’), consiste numa visita de Herzog e seu amigo Denis Reichle a um acampamento paramilitar dos misquitos, etnia nicaraguense que luta contra os desmandos dos sandinistas, guerrilheiros de extrema esquerda que tomaram o poder da família Somoza, que, sob os auspícios da política norte-americana do Big Stick, governava o país desde os anos 1930s. O problema é que o ‘exército’ é constituído por moleques de 9–12 anos, o únicos que teriam sobrado após os massacres perpetrados pelos sandinistas. O começo impressiona: um menino fardado, com um rifle no colo, liga um rádio e canta junto uma canção sobre um jovem que sente falta da amada. Uma música ingênua, como seria o intérprete-mirim, contrastando com seu aparato militar e seu destino sombrio. Termina a música, ele sorri, como que orgulhoso de sua performance, para então, com a câmera ainda filmando, mostrar um olhar de profundo vazio.

Canção triste de tempos felizes


Daí para a frente, o filme alterna adultos falando sobre os horrores cometidos pelos guerrilheiros em seus vilarejos, Herzog explicando que os misquitos só querem preservar sua cultura, e não serem inseridos à força no novo sistema, e as crianças em treinamento, com destaque para a cena em que um dos adultos que realizam o treinamento diz preferir mesmo as crianças porque é mais fácil lhes fazer uma lavagem cerebral para a batalha.

Outros grandes (e dolorosos momentos) são quando Denis Reichle, ele mesmo um ex-combatente infantil (lutou contra os russos quando era, compulsoriamente, da juventude hitlerista), diz que todas aquelas crianças na verdade já estão mortas, mesmo que não pereçam no campo de batalha, e quando fica claro, nos depoimentos, que é unicamente o desejo de vingança, daqueles meninos órfãos, a consistência do conflito para eles. Aquelas crianças não têm ideia da complexidade do conflito em que estão inseridos. Apenas têm suas mágoas usadas por adultos em favor de um mal maior, a guerra.

Vale mencionar também quando Herzog diz que “os índios não têm ilusões
1, pois “sabem que sempre terão que se defender, não importa que suceda os sandinistas2, e quando você dá conta de que muitas das crianças vistas no filme já estavam mortas quando o filme foi lançado.

O horror, o horror

Mas, no geral, o filme carece de ritmo, é um tanto repetitivo, e, sobretudo, datado: por mais que Herzog diga que o filme “é sobre crianças que estão lutando em uma guerra, não um filme sobre sandinistas ou Somoza3, que “não importa o conteúdo político quando você tem uma criança de nove anos lutando em uma guerra4 ou mesmo que “crianças-soldado são uma tragédia tal que você não precisa saber de todos os detalhes do conflito5, para mim, que era pequeno à época, sei pouco sobre a história da Nicarágua (e sequer sabia da existência dos misquitos até ver o filme), senti falta de uma mínima contextualização da guerrilha.

Além disso, tem muita coisa que, se eu não conhecesse o trabalho e os interesses cinematográficos de Herzog, chamaria simplesmente de desonestidade intelectual: como diz o editor norte-americano de filmes Will Lehman, “mais do que todos os seus outros filmes não-ficcionais, este traz mais diretamente em relevo os perigos inerentes na omissão, por parte de Herzog, das verdades ‘superficiais’ que são constituídas pelos fatos do contador da história”. 6

Treinados pelos contras

Por exemplo, falta mencionar que os misquitos também já lutaram junto dos sandinistas contra Somoza (esperando manter a autonomia que eles sempre conquistaram a duras penas durante a História); que, ao contrário do que Herzog conta, eles têm tradição militar sim, uma vez que já lutaram contra missionários espanhóis e colonialistas britânicos antes do cenário mostrado no filme; e, principalmente, que os jovens soldados estão sendo treinados no filme pelos contras, guerrilheiros financiados pelos EUA para reconduzir o ditador Somoza ao poder.

Sequer se explica qual o problema com os sandinistas: ocorreu que eles quiseram colocar os misquitos à força em seu novo modelo de sociedade, tentando uma migração do campo para a cidade. “Na verdade, porém, a campanha do governo resultou nos misquitos sendo brutalmente desenraizados, suas aldeias destruídas, suas colheitas queimadas, seu gado dilacerado e o massacre sistemático de todos os recalcitrantes – homens, mulheres e crianças”. 7

De qualquer forma, é um Herzog só para fãs mesmo (ou para quem se interessa pelo tema).


Curiosidades:

– Herzog diz que foi acusado pela “esquerda dogmática” 8, para quem os sandinistas na época “ainda eram a vaca sagrada” 9, de ser financiado pela CIA, pelo suposto conteúdo direitista, ainda que insistisse que o filme não é ‘político’.

– Herzog diz que o projeto inicial era do amigo Denis Reichle, mas que, “empacado” com todos os trâmites, pediu ajuda a ele, que acabou encabeçando o filme.

– Reichle, segundo Herzog, “é um fotógrafo e escritor que, por décadas, viajou extensivament a lugares inacessíveis para cobrir de perto minorias oprimidas. Ele é um homem igualmente ousado e prudente que sobreviveu a guerras civis, rebeliões e até mesmo a um cativeiro de cinco meses pelo Khmer Vermelho no Camboja. Como um órfão de quatorze anos, ele foi convocado para Volkssturm, os batalhões compostos por crianças e homens mais velhos que Hitler usou na defesa de Berlim nos últimos meses da Guerra, uma experiência à qual Reichle teve a sorte de sobreviver. Porque ele era originalmente da Alsácia, tornou-se um cidadão francês depois da Guerra e, com a sua experiência militar, foi enviado para Indochina, onde ele sobreviveu a Dien Bien Phu”. 10


1 2 3 4 5  8 9 10 HERZOG, Werner. In: Herzog On Herzog, de Paul Cronin. Faber & Faber, 2001.
6 LEHMAN, Will. A March Into Nothingness: The Changing Course Of Herzog's Indian Images. In: A Companion To Wener Herzog, de Brad Prager. Wiley-Blackwell, 2012.
7 http://www.nytimes.com/movie/review?res=9B0CEED71538F930A35757C0A963948260